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Seminário Interdisciplinar "Os Sertões" proporciona diversas reflexões

Publicado: Quarta, 22 de Agosto de 2018, 12h55 | Última atualização em Quarta, 22 de Agosto de 2018, 12h55

No dia 09/08/2018, aconteceu no Auditório I do IFNMG o Seminário Interdisciplinar “Os Sertões”, inspirado na obra de Euclides da Cunha, publicada em 1902.

O Auditório foi decorado com obras que retratam o sertão, produzidas pelos estudantes do Campus Araçuaí, durante as aulas de Artes, sob supervisão do Prof. Ernani Calazans. Também foram feitas projeções de cenas do filme Guerra de Canudos (1997), de Sérgio Rezende, que trata da mesma temática.

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A professora Lillian Melo, de Língua Portuguesa e Literatura, idealizadora do projeto, deu início convidando as estudantes Raquel, Melissa Sousa, Jéssica Colen e Riene, que fizeram interpretações de músicas ligadas à temática do Sertão, sucessos da dupla Vitor e Léo.

Foram convidados os expositores: A Sra. Geralda Chaves Soares, Gêra do Índio, pedagoga que trabalha com as populações indígenas da região desde longas datas, o professor Rone Silvério e as professoras Aureliane Araújo , Shirlene Rocha, Lorena Silva , Maria Fernanda Barbosa e Fernanda Xavier.

Dando início às exposições, Gêra falou sobre a nomenclatura “sertão”, de veio de “desertão” na época da colonização dos portugueses em função das condições semiáridas e por ser desabitado. Na realidade, era habitado pelos povos indígenas, mas que eram considerados gente bruta, sem cultura e sem religião. Ainda hoje há resquícios desta mentalidade de que o povo do interior é ignorante. A colonização do Brasil começou pelo litoral, de modo foi onde a cultura europeia começou a se instalar. Com a descoberta das minas de ouro na região da nascente do Rio Jequitinhonha, e a instalação da mineração, cidades começaram a se formar, a natureza começou a ser degradada, e os indígenas que ali habitavam fugiram para a região do médio Jequitinhonha. A partir de 1808, com a publicação da Carta Régia de 13 de maio, a guerra contra os povos indígenas se intensifica. Os militares chegavam à região pelos rios e instalavam quarteis onde hoje são as cidades do Médio e Baixo Jequitinhonha. Os indígenas eram dizimados e capturados por 10 anos, ou enquando durasse a “fereza”, as mulheres estupradas e tratadas como escravas e amas, de modo que o povo indígena passou a ser marginalizado, excluído, ficou sem suas terras e sem sua cultura. Gera cita o documentário “Guerra Sem Fim – Resistência e Luta do Povo Krenak” (Unnova) e alerta os presentes para as políticas atuais com relação ao povo indígena e suas terras.

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Na sequência, a professora Maria Fernanda fez a contextualização histórica da obra, época da Proclamação da República, em 1889, a partir de um golpe dos militares e da elite da época. Em 1891, o Brasil teve sua primeira constituição, sob os moldes da constituição americana, e recebeu o nome de República Federativa dos Estados Unidos do Brasil. Nessa constituição, ficava garantido o direito ao voto, exceto às mulheres, aos analfabetos e aos menores de 21 anos. Época de desajustes econômicos, ficou famosa a Política do Encilhamento, do ministro Rui Barbosa, que levou a mais especulação financeira e forte inflação, pelo excesso de emissão de papel moeda. A partir de 1894, o país se caracteriza como República das Oligarquias, com uma elite agrária predominante, especialmente de Minas Gerais e São Paulo – a República do Café com Leite, marcada pela figura dos coronéis, pelos currais eleitorais e pelo voto de cabresto. O país era predominantemente agrário, com aproximadamente 70% da sua população, e poucas políticas assistiam à população rural. Nesse contexto, eclodiram movimentos rurais, inclusive aquele liderado por Antônio Conselheiro, fundador do arraial de Belo Monte, com ideal de liberdade social e economia baseada na prática agricula e artesanal, sem polícia e sem impostos. A organização incomodou as oligarquias e levou o governo a declarar guerra contra o arraial até a sua eliminação.

A professora Aureliane chama atenção para os aspectos descritivos do clima, do relevo, da vegetação, da geologia e da geomorfologia que o autor faz em sua obra. É possível identificar comparações de relevo e vegetação do litoral com os observados no sertão. O autor traz descrições de diversas paisagens do Brasil, partindo do Iguaçu, da bacia do Paraná, até o leste da Bahia. A obra é então, enriquecida de termos geográficos e geomorfológicos: terras altas – Serra do Mar e Serra da Mantiqueira, encaixe do Paraíba, escarpa inteiriça, planalto central, altas e abruptas serranias, talude, serras arredondadas, e de comparações de cenários, na medida que as paisagens vão mudando estruturalmente. A descrição primorosa dos territórios faz parte também da construção do caráter e da personalidade dos personagens. No sertão, o autor descreve a Caatinga, suas espécies de vegetais, como a Favela, as cactáceas, os espinhos, as plantas decíduas, e usa o termo “Canícula” para expressar o calor muito forte. Ao descrever a seca, o autor pontua: “dias esbraseados e noites frigidíssimas”. Além do diálogo com estudiosos da geomorfologia, é possível estabelecer uma conexão com Georg Hegel, filósofo alemão, na obra. Euclides da Cunha aponta que o homem é um notável fazedor de desertos, com as queimadas, e sugere que uma possível forma de convivência na seca e criação de pequenos açudes distribuídos, que possibilitam uma dilatada superfície de evaporação.

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Dando sequência, a professora Fernanda explicou como a estratégia usada na adaptação para uma obra audiovisual, o filme Guerra de Canudos (1997) pode causar a ressignificação da luta ali retratada. Todo texto mantém relação com outras formas de texto, como um poema, uma canção, uma peça e um filme e as narrativas são estruturadas para produzir sentidos. Ela traz a caracterização do personagem Antônio Conselheiro, na obra audiovisual, vivido por José Wilker, e como foi fiel à obra de Euclides da Cunha “cabelos crescidos até os ombros, barba inculta e longa, face encaveirada, olhar fulgurante, monstruoso, dentro de um hábito azul”, mas como a própria imagem audiovisual foi construída a partir das características psicológicas da personagem e reproduz as mesmas. Fernanda trata da também do conflito vivido por Luiza, a filha mais velha, vivida por Cláudia Abreu, um mulher, que revela a cada cena a força feminina e ressignifica a luta no sertão. A obra cinematográfica permite-nos entender o que foi o horror da guerra, a ausência de um final feliz, mas mais ainda, quem sabe, um marco da luta sertaneja e a utopia de um futuro melhor.

O professor Rone iniciou sua fala demonstrando que a obra literária também pode nos constituir como seres humanos, a criar uma identidade. Na época do lançamento da obra estavam em voga as teorias eugenistas e de branqueamento da população, considerando que a existência de hierarquia entre as raças e a que a raça negra é inferior. O professor lembrou que o Brasil é um dos países mais velados do mundo, onde o racismo acontece de forma velada, não-assumida, “soft”, e ainda marcado por muitas desigualdades e mazelas sociais. Recitou versos da música “Só Deus Pode Me Julgar”, do MV Bill. O professor demonstrou que Euclides da Cunha, ao descrever uma heterogeneidade climática e geográfica, mostra que há também essa diferença entre raças, e vê no sertanejo a possibilidade de construção de uma raça que seja “brasileira”. É possível perceber que ele dialoga com outros teóricos, e traz um vocabulário profundamente racializado, um debate racial, sendo um determinista climático, e associa as populações ao clima: o calor úmido “deprime e exaure”, as pessoas têm “máxima energia orgânica e mínima fortaleza moral”. O sertanejo traz características do europeu e do indígena. É, sobretudo, forte, mas fisicamente. Do ponto de vista intelectual é retrógrado, em relação as raças consideradas superiores. Compara inclusive a vila de canudos, as construções, com a dos “primeiros agrupamentos bárbaros”. No entanto, também da escola Positivista, Euclides da Cunha caracteriza o sertanejo como o cerne vigoroso da nossa nacionalidade. Finaliza sua fala lembrando que o livro pode ser lido de diversas formas e sob várias óticas.

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A professora Lorena situa a obra no período pré-modernista e destaca ainda outras características nela presentes: a preocupação do autor com o uso de uma língua pura, culta, quase arcaica, e a presença de temas centrais na produção intelecutual e artística do século XX. Na primeira parte, A Terra, verifica-se o uso da prosopopeia, com elementos naturais dotados de sentimentos, a busca de dar vida, vontade própria e movimentos a elementos inanimados, inertes. Na segunda parte, o Homem, verificamos a presença da polifonia, com diversas presentes no texto, mas num diálogo em ausência, em que os interlocutores não estão presentes, e as vozes são implícitas, citações, paráfrases. Na terceira parte, a Luta, o autor utiliza-se do paradoxo, mostrando a dificuldade de encontrar, dentro da contradição, uma definição. Ao descrever um cenário de guerra, complexo, contraditório, o autor mostra a impossibilidade dar definições. É possível perceber que em alguns momentos o autor “intromete” naquilo que está narrando, sempre na primeira pessoa do plural, lembrando que ele esteve presente no cenário.

Finalizando, a professora Lillian ressalta a dificuldade de leitura da obra, pela riqueza dos termos científicos, ligados à geografia, e que é considerada uma obra barroco-literária-científica, pela exageros na escrita e pelos termos técnicos ali presentes. Lembrou que há várias versões e releituras da obra, e apresentou a versão infanto-juvenil. Destacou cenas de maior impacto, como as da batalha, a derrubada de todas as 5.200 casas da vila, a entrega do beatinho, a comemoração de sua morte como aquele que era inimigo da república, e o fato de ser mais uma voz silenciada. Fez o convite a todos para a leitura da obra.

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Foi registrada a colaboração do professor Ernani Calazans, na produção, os demais professores que acompanharam suas turmas, e as presenças da Coordenadora do Núcleo de Biblioteca, Michelly Lopes, da Coordenadora de Ensino, Aneuzimira Caldeira e do Diretor de Ensino, Irã Pinheiro Neiva, no seminário.

Curiosidade: Os Sertões é considerado o primeiro livro-reportagem brasileiro. Livro-reportagem é um gênero literário e jornalístico em que o autor narra uma detalhada e extensa reportagem que não seria suportada pelas mídias convencionais do jornalismo, como jornais e revistas. Euclides da Cunha presenciou uma parte da guerra como correspondente do jornal A Folha de São Paulo. Por isso, o seminário teve cobertura especial da Equipe Imprensa.

Cobertura: Equipe Imprensa
Coordenador: Arthur Aguiar
Equipe: Bernardo Augusto Rafael Silveira , Catarina Rezende Sá , Gabriela Fernandes, Giovanna Campos Lopes, Lívia Cristine Otoni de Aguilar, Luisa Tito , Luiz Augusto Otoni, Maria Paula Otoni .
Supervisão: Nivaldo Oliveira, Coordenador de Comunicação IFNMG – Campus Araçuaí

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